Artigo interessante analisando as alterações que as Mudanças Climáticas estão produzindo em 10 alimentos que examinamos.
Maçãs são menos crocantes, alface mais amarga, uvas mais ácidas… O aquecimento global já está afetando o sabor, a forma e o poder nutricional das frutas, verduras e legumes que comemos. E o processo está apenas começando.
Fonte: Daniel Méndez para XLsemanal
A mudança climática tem gosto de maçãs mais doces, mas muito menos crocantes. Para alfaces mais amargas. Mesmo um vinho menos ácido com mais álcool. A temperatura já subiu um grau em relação à média da era pré-industrial, mas as mudanças climáticas também trazem mudanças bruscas de temperatura, secas… Adicione a isso os gases de efeito estufa e nos encontramos diante de um fenômeno complexo que já afeta frutas e legumes. Para sobreviver a essas mudanças, as plantas podem reduzir seu tamanho,
Os grãos que crescem a uma temperatura diurna de 27 graus e uma temperatura noturna de 22 são muito menores do que aqueles que crescem seis graus mais frios. Breves períodos de calor fazem com que as ervilhas acelerem seu amadurecimento, o que, novamente, leva a produtos menores. A alface pode desenvolver uma cabeça inchada e menos densa, enquanto apresenta sintomas de clorose (falta de clorofila) e um aumento nos compostos de sabor amargo. Podem aparecer folhas queimadas, algo que também é visto em brócolis ou repolho.
E muitas vezes não é só porque eles são mais feios, mas também podem ser menos saudáveis: tomates cultivados em temperaturas muito altas terão menos macronutrientes e menos carotenóides, um pigmento antioxidante que ajuda a manter a pressão sanguínea ou a combater os cancer.
Alguns estudos sugerem que a produção de vinho pode se tornar inviável no sul da Europa e se deslocar para o norte
Mas nem tudo são más notícias. O estresse térmico, por exemplo, faz com que a alface tenha “mais lactonas, conhecidas como ibuprofeno natural”, explica Aurora Díaz, do Instituto Agroalimentar de Aragón. Eles dão um sabor amargo ao vegetal, mas são benéficos para a saúde. “Há alguns anos optamos por variedades de vegetais menos amargas e talvez devêssemos repensar”, reflete o pesquisador.
Para lidar com o mudanças climáticas, Díaz propõe pesquisar variedades mais resistentes ao calor e estresse hídrico e também a variedades selvagens, sobreviventes por natureza que podem esconder muitas chaves para adaptar nossas culturas a uma situação em mudança . “Um efeito que já estamos vendo é a falta de frio no inverno”, explica Javier Rodrigo, do Centro de Pesquisa e Tecnologia Agroalimentar (CITA) de Aragão. As árvores frutíferas da zona temperada se adaptaram para sobreviver às baixas temperaturas do inverno.
Quando a folha cai, eles entram em um estado de repouso que lhes permite suportar 20 graus abaixo de zero. E eles precisam desse frio para florescer. Acontece que, com o aumento da temperatura, demoram mais para acumular o frio necessário para o correto desenvolvimento da flor. E, portanto, o ciclo é atrasado: demoram mais para desenvolver a flor. Ele viu isso nas cerejeiras que cultiva em seu pomar experimental.
Acontece também que há variedades que não são suficientes por si mesmas: precisam do que se chama de polinização cruzada; isto é, do pólen de uma variedade diferente para se reproduzir.
Mas e se eles reagirem de forma diferente às mudanças de temperatura? Eles não vão mais florescer ao mesmo tempo. “Sempre dizemos aos agricultores que plantem variedades compatíveis e combinem em floração. Agora completamos com uma informação: eles devem ter necessidades de frio semelhantes.”
Além de serem mais feios, podem ser menos saudáveis: tomates cultivados em altas temperaturas têm menos nutrientes e substâncias que protegem contra o câncer
O que o especialista explica sobre as cerejeiras podemos levar para outras espécies. Da oliveira ao pistache, passando pelos cereais ou legumes. O mapa peninsular de pomares e plantações está mudando e algumas culturas não serão mais viáveis em certas áreas. Já está sendo visto com a videira. As altas temperaturas, aliadas às altas concentrações de CO2 na atmosfera, alteraram o sabor da uva: mais ácido e com mais açúcar. Os estudos mais pessimistas sustentam que, em algumas décadas, as regiões do sul da Europa estarão muito quentes para a produção de vinho, que poderá ser deslocada para o norte.
O mesmo ocorre com culturas de sequeiro, como trigo ou milho. Um estudo afirma que a produção no sul da Europa terá caído pela metade até 2050. Além dessa variação regional, já se observa uma mudança nas características organolépticas de algumas culturas. Um estudo avaliou como as maçãs Fuji e Tsugaru, duas variedades muito populares no Japão, foram estragadas. Eles observaram que em 40 anos eles ganharam em doçura, mas perderam acidez e dureza. Algumas mudanças que, ao ocorrerem gradativamente, passariam despercebidas pelo consumidor.
“Mas se você pudesse provar uma maçã colhida há 30 anos, sentiria a diferença”, diz Toshihiko Sugiura, o especialista responsável pelo experimento. O mesmo pode ser dito da cenoura, que perdeu o sabor, ou do repolho, mais amargo; a berinjela cresce com maiores deformidades, o que, no mínimo, afeta o valor do produto na hora de vendê-lo. Em contrapartida, produtos como batata-doce ou manga poderiam ganhar destaque em regiões onde até então eram pouco cultivados.
A CESTA DE COMPRAS:
10 ALIMENTOS PARA REVISAR
Trigo
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• A falta de chuva e as altas temperaturas registradas no início de maio reduziram a safra deste ano na Espanha. Na Índia, segundo maior produtor mundial, a situação já é tão alarmante que o país proibiu as exportações.
• A falta de chuva na primavera fez com que o cereal crescesse menos e as altas temperaturas estão reduzindo a concentração de amido, uma importante fonte de energia em nossa dieta.
• Em contrapartida, o melhoramento genético dobrou a produtividade do trigo nos últimos 50 anos. O trabalho já está sendo feito em variedades resistentes às mudanças climáticas.
Cítrico
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• As altas temperaturas fazem com que a planta não complete o ciclo de frio durante o inverno e o fruto perca consistência. A pele da polpa é descolada e fica mais vulnerável.
• A falta de água também causa azia e pele pálida e mais fina.
• Em troca, uma boa notícia: na ausência de água, a fruta pode reagir com maior concentração de sorbitol, um adoçante natural que favorece o crescimento de bactérias benéficas no intestino. p >
Maçã
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• O frio é fundamental para a macieiras e pereiras. Dependendo da variedade, eles precisam entre 500 e 1.500 horas de frio. O tamanho da fruta e sua firmeza dependem disso.
• No norte da Europa, o aquecimento avançou a floração. No Mediterrâneo, as variedades que precisam de mais frio apresentam floração incompleta e o fruto se perde.
• O aquecimento também causa má pigmentação na pele e reduz a presença de antocianinas, responsáveis pela cor vermelha da fruta e benéficas para nossa saúde.
• Boas notícias: segundo um estudo realizado no ano passado nas Astúrias, o aumento de 0,30 graus centígrados por década na região desde 1978 não afetou as macieiras. As variedades locais conseguiram se adaptar.
Uva
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• As mudanças climáticas aceleraram seus ciclos anuais e isso afeta a composição química da uva e também o sabor do vinho: menos acidez, mais álcool e maior proliferação de microrganismos e micotoxinas (produzidas por fungos).</p >
• A escassez de água também resulta em uvas pequenas e com alta concentração de fenólicos (que dão cor ao vinho e afetam sua qualidade). E também que tem uma concentração mais baixa de ácidos málicos.
• O resultado é que o cultivo da vinha já está se movendo para o norte ou para plantações mais altas.
• Nem tudo são más notícias. As altas temperaturas e a falta de água fazem com que a fruta acumule antocianinas, que atuam como antioxidantes e protegem a uva do calor.
Tomate
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• A produção global de tomate triplicou nas últimas quatro décadas. Mas na Europa está em declínio. Em países como o Reino Unido houve períodos de escassez (e preços altíssimos). Assim, os cientistas estão desenvolvendo variedades resistentes ao calor.
• O problema é que altas temperaturas, acima de 35 graus, diminuem a viabilidade do pólen e reduzem a floração. Isso se traduz em menores rendimentos das colheitas e cores menos intensas.
• A área mediterrânica continua a ser óptima para o crescimento do tomateiro. O mesmo não acontece com o norte da África, exceto na faixa litorânea.
• O ambiente seco e as altas temperaturas causam pragas. Em Maiorca sofrem há anos com a invasão da lagarta do tomate, Manduca quinquemaculata.
Alface
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• Quando a temperatura ultrapassa os 30 graus, ocorrem queimaduras ou necrose nas extremidades das folhas. Por esse motivo, já se observa na Espanha um deslocamento das culturas para o norte.
• O alface também precisa de mudanças perceptíveis entre as temperaturas diurna e noturna. Caso contrário, desenvolve clorose (ou seja, sem coloração verde devido à falta de clorofila) e acúmulo de compostos de sabor amargo… que geralmente são saudáveis.
• Por ter raízes pequenas, é muito vulnerável à falta de água. Para combatê-la, a planta desenvolve compostos saudáveis, como os polifenóis.
• O trabalho já está em andamento na edição de genes em alface. Atualmente, são utilizadas sementes que permitem completar ciclos curtos de cultivo de alface: prontos em 30 dias.
Cenoura
• Este vegetal precisa de muita água. Assim, em anos com pouca chuva, tem menos sabor e uma textura menos crocante.
• As altas temperaturas os tornam menos doces. E um excesso de água como o que pode causar chuvas torrenciais leva ao aparecimento de rachaduras.
Pêssego
• Como o resto das árvores perenes, precisa de uma boa dose de frio durante a fase de repouso do inverno. Em regiões como o sul dos Estados Unidos, seu desenvolvimento já está ameaçado. Também na Espanha, Itália ou França.
• A falta de água aumenta a concentração de compostos bioativos e glicose e frutose, que se traduz em pêssegos mais doces. Mas também em frutos menores e ciclos de maturação alterados.
• Uma alta exposição ao CO2 aumenta a concentração de sacarose, lactona e norisoprenóides na fruta: todos esses compostos contribuem para um sabor agradável.
Kiwi
• No ano passado, a produção de kiwi na Europa foi de 700.000 toneladas: 3% menos do que em 2020. Desde 2015, 15% da produção foi perdida. Razão? As geadas da primavera e a doença chamada ‘kiwi moria’ na Itália, principal produtor europeu.
• As altas temperaturas do verão também afetaram sua produção. Eles causam uma deterioração das raízes e resultam em plantas maiores, mas com menos frutos. E menos flores na estação seguinte.
• É uma planta muito sensível ao estresse hídrico, o que causa uma menor concentração de sódio, que regula a concentração de líquidos na planta (e em nosso corpo).
Azeitona
• O aumento da temperatura acelera os ciclos, o que obriga a uma colheita antecipada, com menor nível de maturidade. E uma azeitona de menor qualidade e menor tamanho.
• A oliveira é muito tolerante à falta de água. Até dá origem a um azeite de melhor qualidade desde que o estresse hídrico não seja excessivo, o que leva a um azeite mais amargo com menor teor de ácido oleico e aromas.
• As altas temperaturas no verão, quando o fruto se desenvolve, provocam uma redução das proteínas da azeitona.
• A viabilidade do olival depende muito da sua variedade. O hojiblanca, manzanilla, picual ou nevadillo já estão ameaçados na Andaluzia devido à ausência de horas frias no inverno e à falta de chuvas em verão.
Melancia
• É nativo do deserto de Kalahari (onde ainda cresce selvagem) e já estava presente no alvo Egito Antigo. Isso mostra sua resistência ao calor. De fato, as altas temperaturas reforçam seu sabor doce.
• Apesar do alto teor de água, eles continuam sendo uma aposta segura em climas áridos e semiáridos, como o Marrocos.
• Nos últimos anos, muitas variedades locais foram substituídas por outras geneticamente modificadas para atender o consumidor: menores, mais doces e sem sementes. Mas menos adaptado às condições climáticas presentes e futuras.